Entrevista Paulo José / 'Apesar da doença, estar vivo é melhor do que estar morto'
Segunda-feira, 10 maio de 2010 - Exemplo de superação, o ator dribla o mal de Parkinson com muito trabalho: uma peça inédita em SP e um novo filme. E fala de família, morte: “Não acredito em Deus”
Manhã da sexta-feira passada, dia 7. O ator Paulo José, 73 anos, surge no palco sentado em uma cadeira com rodinhas, daquelas de escritório. Ele havia acabado de pegar a ponte aérea Rio-São Paulo para acompanhar os últimos acertos de cenografia e outros detalhes da peça Um Navio no Espaço ou Ana Cristina Cesar, na qual atua e dirige, e que estrearia no dia seguinte (sábado, 8), no Sesc Santana. Paulo estava visivelmente exausto, após uma semana de sessões de pré-estreias do filme Quincas Berro D’ Água, de Sérgio Machado, no qual também atua (previsto para entrar em cartaz no dia 21), e uma maratona de entrevistas.
Mesmo sob o efeito do cansaço e do remédio que toma para controlar a doença de Parkinson, o ator se levantou da cadeira e começou a dar pitacos. “Se precisasse carregar um refletor de luz, ele faria tranquilamente”, diz a filha do ator, Ana Kutner, que divide pela primeira vez a cena com o pai e zela pelo bem-estar dele na coxia. O bravo lutador bem que precisa. Mas, teimoso, não dá o braço a torcer. E apesar de estar exausto de guerra, Paulo José não quer perder nenhuma batalha. Foi com esse espírito que ele concedeu, com exclusividade ao JT, a entrevista a seguir.
Há 17 anos, o senhor luta contra a doença de Parkinson. Como a doença interferiu na sua vida?
Ela impõe dificuldades, mas tomo uma medicação, a dopamina, que, ao mesmo tempo em que melhora, atrapalha. É ela quem está me empurrando para a frente. Esconde o cansaço, dá euforia. No trabalho, reverti isso a meu favor. Quando estou filmando, no teatro ou na TV, me cuido bem, não faço o que fiz na última semana, de ficar o tempo todo ocupado.
Então, o cotidiano agitado não faz mais parte da sua rotina...
O problema é que não tenho freio, limite, por causa da droga. Há alguns anos, fiz uma cirurgia para colocar um marcapasso, que controla os movimentos.
Seu ritmo de trabalho diminuiu?Dei um tempo na televisão (o ator é contratado da TV Globo). Mas continuei no cinema. Quando rodamos o filme Benjamim, se eu não estivesse me sentindo bem, esperávamos o tempo que fosse necessário. Já na TV tem de fechar no dia, não pode ficar parando. Não fiz nada na TV nos últimos oito anos, só algumas participações eventuais.
O senhor está seguindo algum tipo de terapia?
Vários: de voz, hidroginástica, fisioterapia para o braço direito. Todos os dias faço alguma coisa.
Tem alguma mania?
Só de trabalhar. E não paro. Sou muito teimoso.
O filme Quincas Berro D’Água aborda o tema da morte e a peça Um Navio no Espaço ou Ana Cristina Cesar é inspirada em uma poeta que morreu precocemente. Sente medo de morrer?
Não penso muito nisso. Só de vez em quando. Mas, apesar de todas as dificuldades da doença, estar vivo é melhor do que estar morto.
Existe um universo feminino forte à sua volta: filhas, mulheres, sua mãe. Isso ajuda?
Minha mãe foi importante para mim, no teatro, na poesia. Ela era professora de português, falava espanhol e francês. Antes de se casar com meu pai, ele lhe disse: “Ou o magistério ou eu”. Ela deixou o magistério de lado, mas como tinha vício de dar aula, ensinava seus cinco filhos. Ainda pequenos, já estávamos alfabetizados. Nem fizemos regularmente o curso primário, porque íamos até a escola e nos mandavam de volta para casa. Um dos meus irmãos era craque em concurso de catecismo. Ele tinha muita facilidade para decorar. Eu era campeão de oratória. Nós só começamos a frequentar o colégio no ginásio.
Sua relação com o teatro começou no colégio, certo?
Já fazíamos teatro em casa: de sombra, com velas e bonequinhos. No primeiro dia em que fui ao colégio, me mostraram as dependências e me encantei quando entrei no teatro. Era grande, com plateia, palco bonito, as coxias, lugar para os contrarregras. Eu tinha 10 anos.
O senhor cogitou fazer medicina e chegou a cursar arquitetura. Era o que seu pai queria?
Ele queria que eu fizesse qualquer coisa, menos teatro.
Mas sua mãe apoiou?
Também ficou contra. É claro, enquanto era engraçadinho o filhinho fazer teatro, tudo bem. Mas quando se tornou uma opção de vida, ela se ‘borrou’ toda. Ela era também frustrada, porque queria fazer isso. Tinha vocação para atriz, mas na época dela precisava ser dona de casa. No final dos anos 1950 e começo da década de 1960, eu estudava arquitetura e fazia teatro à noite. No começo de 1961, meu pai me perguntou: “Você quer fazer teatro mesmo, não? É definitivo? Então, sai daqui”. Ele me mandou ir para São Paulo e falou que me ajudaria. Eu nunca esperei isso dele. Meu pai tinha dificuldades para conseguir manifestar afeto.
Por falar em família, o que ela representa para o senhor?
Bom, sou de família. Adoro a ideia de clã, de mesa grande, com todos sentados em volta dela, 15, 20 pessoas. Vim de família grande. Meu pai tinha treze irmãos e nós éramos em cinco lá em casa. Minha avó passou 30 anos tendo filho. Meu avô tinha uma jardineira para levar todo mundo. Eu tenho 4 filhos e 2 netos. (Nesse momento, sua filha Ana se manifesta: “Os oficiais são 4. Daqui a pouco, começa a aparecer os outros. Eu não ponho minha mão no fogo”).
Mesmo trabalhando muito sempre, o senhor conseguia dar atenção aos seus filhos?
Quando eles eram menores, de certa maneira, sim. Quando minhas filhas eram adolescentes (ele teve três filhas com a atriz Dina Sfat e um filho com a atriz Beth Caruso), foram morar comigo. Lá em casa era mais liberal. Tem pai que não deixa os filhos fazerem nada dentro de casa e eles fazem na rua. Comigo, era tudo dentro de casa: maconha, namorado. Havia reservas, é claro, mas aceitava-se muito as coisas. Era uma liberdade vigiada. (Ana reforça: “Eu contava tudo para ele. Perguntava: ‘ Pai, quero tomar um ácido. O que você acha?’ E ele me aconselhava. Não tinha por que não falar para ele”).
Nesses 40 anos de carreira, o senhor fez amigos de verdade no meio artístico?
Poucos. Inclusive, com o mal de Parkinson, você fica mais recolhido, mais voltado para dentro, evita acontecimentos públicos, que incomodam. Não foram as pessoas que se afastaram. Eu é que me afastei. Mas tenho o (ator e diretor) Domingos Oliveira, que é meu grande amigo há 40 anos, com quem sei que posso contar a qualquer momento.
O senhor lutou pela regulamentação da profissão de ator. O que acha de celebridades, como ex-BBBs, trabalharem como ator?
Não sou contra. A TV precisa muito de imagens belas, interessantes. Se o cara tiver talento, fica. Caso contrário, não vai adiante. Como a (Grazi) Massafera. Ela é jeitosa, atriz bonita, faz bem vê-la. Sou contra esse corporativismo. Tem muito ator medíocre, pior do que quem vem de fora.
O senhor acredita em Deus?
Não acredito. Deus é uma força cega. Não sei. Não me questiono muito sobre isso. Se Ele existe, o problema é dele.
Votou em Lula à presidência?
Votei, sim. E não me arrependo. Mas votar na sucessora dele (a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff) está difícil. E não vejo nenhuma outra alternativa.
Fonte:
Jornal da Tarde.