TODAS AS MÃES SÃO IGUAIS
Na crônica “Lembranças”, Manoel Carlos conta que sua mãe, figura meiga e ingênua, quase totalmente incompetente para os afazeres domésticos, era exímia contadora de histórias e envaidecia-se de ser professora e de falar francês.
Embora o famoso autor de novelas, dedicando seu livro à memória da mãe “que andava descalça e vivia olhando o céu”, confesse que chorou de verdade comovido com essas doces lembranças e revendo fotografias, seu relato está longe das fixações de Orhan Pamuk descritas no romance Istambul, talvez a mais completa confissão de amor edipiano de que se tem notícia na literatura.
Minha mulher lendo as crônicas de Manoel Carlos ria sozinha e comentava: “todas as mães são iguais”. Fez-me assim também lembrar a minha que sabia patavina de francês e era ótima costureira, além de dominar a arte do forno e fogão. Cobrava dos filhos notas boas na escola e se eram baixas castigava mandando ler em voz alta para ela, ao som dos motores das Vigorelli e Singer de seu atelier, dezenas de páginas de uma só tirada, sem tropeços, o que nos obrigava a treinar várias horas.
Comecei a aprender francês com Madame Andrietta Lenard, mulher do húngaro Alexander Lenard, misto de médico, poeta e latinista auto-exilado numa comunidade rural do alto vale do Itajaí-açu durante a Segunda Grande Guerra. Depois, com uma senhora brasileira formada nas antigas faculdades de filosofia, ciências e letras, detentora do título de licenciada em letras neolatinas que, segundo se comentava, era a única na cidade. Sempre esqueço do nome dela, mas recordo que sua pedagogia adotava penas que consistiam em copiar frases dezenas de vezes em folhas de papel almaço e apresentá-las na aula seguinte, implicando o descumprimento no aumento da tarefa.
Certa vez resolvi enfrentá-la e quando me dei conta o número de frases chegara a 400. Fui salvo pela intervenção de minha mãe que negociou com a mestra um castigo mais razoável. Resultado: nunca aprendi francês direito.
Meu inglês também é colegial. A professora chamava-se Mrs. Clemens, que chegou à cidade acompanhando a filha nomeada gerente da loja de máquinas de costura Singer. Paciente e atenciosa, tinha a voz afetada e sotaque londrino. Corria um boato que seu nariz fino, um pouco empinado, era devido a uma cirurgia e ao câncer que a acometera ainda jovem. Tenho ainda na estante o livro de gramática importado que nos obrigou a comprar quando ensinava o possessive case. Lembro-me de ter lido no livro de leituras do curso uma lição sobre uma avenida de Londres onde a velocidade mínima era 100 km/h, coisa inconcebível no Brasil na década de 50. Também não aprendi direito o idioma do grande bardo, mas a nobre senhora deve ser inocentada. Colegas o dominaram, como Sadi, Boris, Ivo, Nely, Klaus, Marcos e tantos outros. Quando contei ao Prof. Jake que venho estudando inglês há mais de 50 anos, ele prontamente respondeu, carregando no sotaque escocês: “Me too. I have been studying English since the 1th grade.”
Autores e livros citados:
CARLOS, Manoel. A arte de Reviver (crônicas). Ediouro Publicações, Rio de Janeiro, 2006, p. 165.
PAMUK, Orhan. Stambul – memória e cidade. Cia. das Letras, São Paulo, 2007, p. 86.
LENARD, Alexander. The Valley of the Latin Bear. E. P. Dutton & Co., Inc., New York – 1965.
ALLEN, W. Stannard. Living english structure – practice book for foreign students and key. Longmans, Green and Co. London, 1954.
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